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O 'BODE' NA MAÇONARIA (J. B. Rezende)

Os inimigos gratuitos da Maç.'., no intuito de desprestigiá-la para manter um maior domínio sobre os espíritos crédulos, lançam sobre a nossa Sublime Ordem a pecha de demonólatra e anti-religiosa. E para atingir o seu objetivo, impressionando as pessoas pias, inventou a lenda do bode na Maç.'. na qual se propala que os MM.'. prestam culto ao diabo, cavalgando o bode nas suas cerimónias de iniciações. É uma afirmação facciosa e de pura má fé, que só mesmo as mentes escravizadas pela superstição e fanatismo são as que podem assimila-la e aceita-la.

Mas . . . porque o bode? Porque o bode, segundo a demonografia símbolo do diabo: as antigas gravuras demonográficas cristãs mostram o demónio montado num bode. Aliás, o bode passou a personificar o diabo nos primórdios do cristianismo. Até então era um animal propiciatório e servia tanto para purificação como para expiação na Liturgia Mosáica. No Antigo Testamento o bode era um emissário entre o diabo e o homem. Com efeito, no dia da Expiação os israelitas, numa solene cerimónia liturgia ( Levítico XVI 21/23,) impunham as duas mãos sobre o dorso de um bode vivo e depois de confessarem os pecados, enviavam-no para o deserto. (Era crença da época que o demónio habitava o deserto). Conforme interpretavam, o bode carregava todos os pecados do povo, retornando-os àquele que os haviam inspirados. Era o bode expiatório. Talvez foi dai, dessa ação litúrgica, que os primeiros cristãos se inspiraram para fazer o diabo cavalgar o bode.

Segundo os gregos, os demónios eram entidades incorpóreas, intermediárias entre os homens e a divindade; e, por isso tudo que servia de medianeiro entre o céu e a terra tinha um lugar reservado na sua mitologia. E foi assim que o bode entrou para o Olimpo com designação de Pan. Pan, o deus da mitologia grega, era semelhante ao bode na sua aparência exterior : orelhas grandes, chifres, cauda e cascos de bode, porém, corpo de homem. Dotado de fino senso de humor, era amável e um pouco caprichoso. Era o deus patrono dos pastores.

No advento do cristianismo, "os primeiros cristãos - diz Hervé Cordovil - transcreveram muito da mitologia modificando-a e alterando-a para servir aos seus objetivos. Assim modificaram o dócil Pan, convertendo-o em Satanás".
De maneira que para os cristãos daqueles tempos e posteriores também, satanás ou o demónio (conforme nova concepção que deram a esta palavra), era representado por um bode.

Mas até aqui não vemos nada que relacione entre o bode e a Maç.'.. Portanto qual é o fundamento da atribuição da lenda à Maç.'.?

Leadbeater na sua obra "Pequena Historia da Maç.'." nos dá a chave desse fundamento. Ele começa por dizer que nas lojas operativas "jamais se podia escrever uma palavra do ritual, que tinha de ser aprendido de cor pelos mestres e oficiais". Ora, na época da transição a decadência dessas Lojas era de tal vulto que "produziu desastroso efeito sobre o antigo ritual, que havia sido transmitido oralmente de Loja para Loja e de Mestre para Mestre desde os dias dos Colégios Romanos". E continua: "conquanto fosse ainda recordadas as antigas ações rituais, as palavras que as acompanhavam haviam se degenerado em mera geringonça verbal . . Basta um exemplo para indicar em que ponto chegaram as coisas". E conta o fato de que na Inglaterra diversas estalagens (e os MM.'. operativos costumavam a reunir-se em estalagens) são chamadas "the goat and compasses"(cavalgar o bode), frase essa sem nenhum significado: simples enunciação de um nome comercial. Mas acontece que há uma frase ritualística de pronuncia mais ou menos semelhante "God encompasses us" (Deus nos envolve), que, por deturpação do seu sentido, se degenerou naquela frase oca.

E assim, pelo fato de o bode ser um símbolo cristão do diabo; dos MM.'. operativos reunirem-se em estalagens e estas, na sua maioria, serem conhecidas pelo nome de "cavalgando o bode" e , ainda, dando a esta frase como extraída do antigo ritual da Maç.'. operativa, tudo isso aliado à má fé dos nossos adversários, serviu de base para formar o fundamento da lenda pejorativa, especialmente composta para ridicularizar a nossa Sublime Instituição.

Mas para que esta perfídia se propagasse no tempo e no espaço e se generalizasse no seio da coletividade, os MM.'. não deixaram também de ter a sua parcela de culpa. Pois aceitaram, embora com ironia, a pecha maldita e a ela sempre se referiram e ainda se referem no curso de suas conversações comuns entre familiares e amigos.

A Maç.'. não presta culto ao demónio, diabo ou satanás, simplesmente porque não acredita na sua existência. Os nossos símbolos aí estão para atestar a veracidade de nossa afirmação. Todos eles representam a virtude na sua mais alta concepção, o amor e o bem, o progresso e a evolução. Acreditamos sem que a fonte de todos os males: paixões vis, egoísmo, orgulho é a imperfeição do homem, sua ignorância e trevas mentais . Mas uma vez se esquivado dessas influencias, o mal deixa de existir e com ele a crença no demónio.

O M.'., por obra da iniciação, é alguém, pelo menos teoricamente, que se afastou do mal para viver tão só na onipresença do bem. Por isso o seu trabalho como pedreiro livre é "levantar templos à virtude e cavar masmorras ao vício". O único de nosso símbolos que se presta a representar o mal é a estrela de cinco pontas quando de cabeça para baixo. Porém, essa posição é transitória e muito incomoda para o M.'. perfeito: por isso aqueles dos iniciados que não conseguem mantê-la ereta, por si só, se exclui do nosso meio, sem que nenhuma pressão ambiente o constranja. É a própria influencia do bem a não admitir máculas. . .

Para terminar, peço vénia para transcrever aqui uma recomendação do Ven.'. Col.'. publicado no seu Boletim de 26.12.64: "A filosofia Maç.'. não admite conceitos e termos oriundos de crendice e desconhecimento de causa . Tem por objetivo esclarecer e elucidar. Objetivando estes princípios, recomendamos aos QQ.'. IIr.'. abolirem do seu vocabulário e dos comentários a palavra "bode", o emprego dessa expressão, em palestras e comentários maçônicos, pode apresentar um sentido pejorativo que não se coaduna com o alto nível em que devem ser mantidas as referências aos MM.'. e à Sublime Ordem no mundo profano".

N.R. * A recomendação do Venerável Colégio segue a um artigo do Ir.'. Hervé Clodovil, publicado no mesmo boletim sob o título "O Bode e a Maçonaria".

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